Estes são tempos estranhos na democracia portuguesa. O nosso sistema nunca coexistiu com cinquenta deputados de uma direita radical incendiária na casa da democracia. Este facto não natural aumenta exponencialmente o grau de dificuldade do debate democrático. Se antes as diferenças que separavam os partidos políticos eram mediadas por algumas regras implícitas que garantiam o normal funcionamento da República, a verdade é que hoje as ameaças à democracia liberal estão instaladas dentro das próprias instituições.com um peso que nunca pensamos que poderiam ter novamente.
Este facto leva os partidos democráticos de esquerda e direita a reajustarem as suas relações. Num Portugal com problemas tão graves como a falta de habitação, os baixos salários, o estado dos serviços públicos e, infelizmente, muitos outros, não é possível, como está a acontecer, perder tempo com telenovelas desnecessárias e infantis, em que apenas os os inimigos da democracia vencem.
Pior ainda, não foram os comentadores políticos, os jornalistas ou mesmo os cidadãos nas redes sociais que encorajaram estas notícias. Na verdade, aqueles que estão no poder no sistema democrático foram os primeiros a perder o foco no que realmente importa. Desde a discussão pública do primeiro-ministro com o líder do Chega sobre o que disse e o que não disse nas suas reuniões, às mensagens públicas de Pedro Nuno Santos aos comentadores do PS que ousaram discordar dele, tudo isto contribui para deixar os portugueses cansados e desanimado pela política.
Portanto, há um apelo que parece óbvio, mas que gostaria de deixar de lado e que seria o primeiro passo para um combate eficaz ao extremismo: que os nossos políticos tenham um maior sentido de responsabilidade e compreendam que o seu papel não é apenas governar, legislar ou controlar, conforme o caso, mas também contribuir para um ambiente público mais saudável e respirável, com o qual os cidadãos se possam identificar.
Respeitar uma posição que se ocupa momentaneamente no contexto de uma República significa compreender que, ao fazê-lo, já não se representa apenas a si mesmo e que não só se passa a carregar consigo o peso daqueles que, no contexto da democracia, em Eles próprios depositaram o poder, mas também toda a história das instituições às quais estão associados.
Esta responsabilidade acrescida torna as recentes atitudes dos nossos decisores mais do que lamentáveis. Isso até os torna inaceitáveis. Não há nada, nem mesmo a atual desestabilização causada pela direita radical no sistema democrático, que justifique que pessoas e partidos decentes, democráticos e razoáveis não consigam chegar a um entendimento para garantir valores básicos como o funcionamento normal da nossa democracia.
Se há cinquenta deputados de extrema-direita no Parlamento, há cento e oitenta que não o são. Não estou pedindo que as outras partes se anulem e esqueçam as suas diferenças. Porém, o mínimo aceitável é que todos contribuam para que a nossa República exista e perdure. A única coisa que se lhes pede é que dêem o exemplo para que as atitudes políticas com “p minúsculo” da extrema direita alcancem uma grande maioria que se una em defesa da democracia e da decência.
Isto não deveria materializar-se em acordos de governação que efetivamente, como foi dito, entregariam a liderança da oposição e, portanto, toda a capitalização de qualquer fracasso governamental à extrema direita. Contudo, por uma questão de responsabilidade democrática e de bom senso, Há questões em que é urgente que os partidos democráticos de esquerda e de direita consigam chegar a acordos de regime, dos quais possam emergir soluções duradouras, que resistam à espuma dos dias.
Em primeiro lugar, existe uma área fundamental que necessita de reformas e na qual é possível chegar a consenso: a justiça. Além de fundamental, você também vive uma realidade difícil e sensível, que exige coragem para reformar. Não tenho ilusões de que algum governo empreenderá esta tarefa sozinho, sem o apoio do maior partido da oposição.
Na habitação, outra área de extrema relevância, é importante que a resposta do Estado resista às mudanças circunstanciais dos governos, não só porque o combate a este problema requer tempo para ser concluído e produzir efeitos, mas também porque pressupõe uma necessária previsibilidade e estabilidade, que permite ao diferentes agentes do mercado maior segurança nas decisões.
Por fim, sem acreditar, porém, que aqui se esgotaram as carteiras em que beneficiaríamos da atitude que defendo, em termos de captação de investimentos estrangeiros, devemos, como país, demonstrar um objectivo claro de promoção da instalação, em Portugal. , de mais e maiores empresas, que possam desenvolver o país e pagar melhores salários. Para o conseguir, não podemos aumentar e reduzir constantemente os impostos e criar e eliminar benefícios fiscais em função do sentimento do governo que está no poder, caso contrário não daremos a confiança necessária que permite a um investidor escolher Portugal para investir. médio e longo prazo.
Em suma, um país deve ter um governo e uma oposição, com diferenças claras e notáveis, é assim que funciona a democracia, mas isso nunca pode significar ter duas forças a puxar em direcções opostas por uma única razão. – Se todos ficarem do seu lado, o país permanecerá imóvel ou, na melhor das hipóteses, quase não se moverá…
Fuente
Endless Thinker